sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A Via Láctea

(2007, Lina Chamie)



Eu poderia ter ficado muito irritado com aquele discurso repetitivo sobre o caos das cidades grandes caso esse filme de Lina Chamie não soubesse trabalhar muito bem com as paisagens de São Paulo, criando uma interação essencial entre personagem e o espaço. Também poderia ter achado pedante e pseudo-poético caso o filme não apresentasse uma paixão tão grande em experimentar cada possibilidade do Cinema, da montagem, que acaba por tornar A Via Láctea em um trabalho que pulsa, vivo, espontâneo (com isso, qualquer possibilidade de estar vendo uma egotrip foi descartada). Feito como se passasse na memória de um homem arruinado pela paranóia e obcecado com o seu relacionamento amoroso prestes a se acabar, com a confusão urbana somente dificultando seu já fraco estado mental. Vemos flashbacks, situações repetidas, às vezes com mudança de pontos de vista, uma trilha que entra e sai de repente (evocando Godard, de um modo que pode até parecer um pouco forçado), criando um anti-clímax em diversos momentos (a canção tema dos Looney Tunes, por exemplo), com uma estrutura que atinge seu máximo num belíssimo terceiro ato, quando tudo o que poderia parecer deslocado se encaixando muito bem. Tem também uma interpretação muito boa do Marco Ricca, e uma talentosa Alice Braga, mais bonita que nunca.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Gerry

(2002, Gus Van Sant)



Já fazia um bom tempo que queria revê-lo, mas só fui realmente pôr esse plano em prática no último sábado. Acho que eu deveria amá-lo, pois é um tipo de cinema que na maioria das vezes me gera interesse e porque eu sou um babão do Gus Vant Sant, mas eu infelizmente não consigo enxergá-lo como algo mais que um exercício de estilo que prepara terreno para as obras-primas que viriam depois da carreira de Van Sant. Traz uma força visual que não se encontra em todo o filme, com uma fotografia espetacular do Harris Savides; aquele plano sequencia em que os dois andam feito zumbis em um deserto cada vez mais branco, enquanto o dia nasce, continua me deixando boquiaberto, mas o problema é que no miolo o filme me parece já muito esgotado. É filme de uma idéia só, levada tão ao máximo que tem momentos em que me soa só como exibicionionismo, pedantismo. É a prova de que Van Sant é um dos maiores diretores em atividade, mas que consegue fazer grandes filmes com grandes idéias quando possui uma dramaturgia mais sólida.

sábado, 16 de agosto de 2008

Cloverfield

(2008, Matt Reeves)



Certamente vai ter muita gente detestando, ou no mínimo se incomodando, mas o efeito que Cloverfield causou em mim foi enorme. O formato que o filme apresenta (é todo feito a partir da ótica da câmera de um dos personagens, ou seja, a aparência é de vídeo amador - não em relação aos efeitos especiais, claro, já que não é todo dia que você pode ver a cabeça da estátua da liberdade voando) dá um tom extremamente visceral, torna a experiência clautrofóbica e sufocante, e até reiventa o que se entende por blockbuster: não é só mais um filme catástrofe com um único intuito de entregar uma diversão esquecível, segura, mas pede um maior envolvimento do espectador; na verdade, é um registro tão pessoal que fica até meio impossível não se deixar levar pela atmosfera apocalíptica apresentada pelo trabalho. Pode também ser visto como um retrato da paranóia, do pânico e do medo que se instalou na população nova-iorquina do pós-11 de setembro (e o caos que é instalado no filme pode muito bem ser uma metáfora à decadência de uma cidade). É bom também de observar que, mesmo possuindo inúmeras qualidades técnicas, Cloverfield não se foca apenas no lado estético, como também demonstra bastante preocupação com os conflitos pessoais dos personagens, e nas relações que foram esfaceladas devido ao ataque do monstro. É um filmaço.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Zabriskie Point

(1970, Michelangelo Antonioni)



Sempre tive uma certa dificuldade em digerir os filmes de Antonioni, mas há algo em seus trabalhos que me deixam fascinado, o que já foi o suficiente para que eu o colocasse em posição privilegiada no meu ranking de diretores favoritos (entre os italianos, só perde mesmo pro Leone). Foi com ele que comecei a conhecer o Cinema Europeu clássico (e, aliás, não sigam meu exemplo: se iniciem com Fellini), ao assistir A Aventura com uns 12 anos de idade, filme longuíssimo, dificílimo, mas que me deixou boquiaberto (não me pergutem o por quê, é o Cinema...). O mesmo aconteceu com obras como A Noite e Profissão: Repórter, e volta a ocorrer com este Zabriskie Point.

Dentro da filmografia do homem, esse é o que certamente mais se assemelha a Blow Up, especialmente pelo fato de serem falados na lingua inglesa (a não ser que você tenha do e-mule uma versão dublada em italiano, como aconteceu comigo) e por focalizarem a contracultura da época. Em relação a este tema, Zabriskie Point se aprofunda mais, ao relatar o embate entre jovens revolucionários e policiais, mas no meio disso tudo estão presentes os assuntos que mais obcecam Antonioni: a incomunicabilidade, o tédio e a alienação no mundo moderno. Mas, se em trabalhos como O Eclipse a atenção era voltada para o universo dos adultos, o foco agora é a juventude. A América retratada por Antonioni é aquela vivendo um período de profunda transformação, e o modo com que constroi os espaços representa bem isto: de um lado temos a cidade grande, ambiente tenso e sufocante, e do outro, servindo como um perfeito contraponto, temos a infinitude do deserto, o único lugar onde os dois protagonistas conseguem exercer plenamente seus desejos de liberdade e sexo, encontrando um meio de se isolar dos conflitos existentes no mundo externo.

Não espere, no entanto, críticas ou mensagens revoltadinhas anti-sistema (sim, isso foi uma indireta para Clube da Luta), até porque a conclusão que Antonioni entrega à estória é até bastante amarga e desiludida, apesar de que aquela extraordinária e emblemática sequencia de encerramento contem uma mensagem puramente subversiva (é como se tudo o que compõe o sonho americano estivesse sendo explodido naquele exato momento, ao som de Pink Floyd), tornando Zabriskie Point um dos mais subestimados e melhores filmes do mestre italiano.

domingo, 10 de agosto de 2008

Shangri-La



E Ray Davies continua completamente lúcido. Gênio. Mestre. Cantando a melhor música do Arthur. De chorar.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto

(Before the Devil Knows You're Dead, 2007, Sidney Lumet)



O único momento de sossego e felicidade que os personagens dessa estória terão está naquela cena de abertura, o sexo entre Seymour Hoffman e Marisa Tomei, um paraíso que dura apenas alguns minutos. A partir do momento que a tela escurece e o título é anunciado, “Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto” transforma-se em um estudo minucioso do processo de degradação psicológica de seus personagens, que acabam por se auto-destruir meio que inconscientemente. Não há nenhum elemento que suavize a trama (lembra O Sonho de Cassandra nesse sentido, mas o filme de Allen, apesar de muito bom, não consegue possuir nem um terço da tensão desse filme do Lumet) e até aquela cena final, que por um momento sugere uma reconciliação, acaba se encerrando de modo terrivelmente amargo. O texto de Kelly Masterson (seu primeiro para os cinemas) é absolutamente brilhante e felizmente caiu nas mãos de um cineasta de extrema maturidade, que sou entregar a devida densidade ao trabalho, tornando-o algo visceral, sufocante. De início, nos faz pensar que se trata de um “filme de roubo”, e, se depender daquela primeira cena do assalto, veríamos um grande exemplar do gênero, mas “Antes que o Diabo Saiba...” deseja ir mais além, transformando-se uma espécie de tragédia familiar Shakesperiana, no mínimo quase uma obra-prima.

É também gratificante ver um filme que constrói uma narrativa fragmentada não para ser cool ou moderninho, e sim porque certamente foi o melhor meio encontrado para que pudesse ser feito um panorama geral da situação, beneficiando o desenvolvimento dos personagens. Outro grande destaque são as atuações, com um elenco todo excepcional: Seymour Hoffman é um monstro, fenomenal, e Albert Finney e o sempre subestimado Ethan Hawke não ficam atrás, ambos muito bem. Sidney Lumet, felizmente, parece continuar em grande forma.

domingo, 3 de agosto de 2008

Filmes de Julho

Provavelmente o melhor mês para o Cinema do ano, não apenas em quantidade como também em qualidade (dois 5 estrelas!). Infelizmente, enquanto o mês acaba, as aulas começam (leia-se: inferno), então esperem uma abundância dessas só em dezembro (ou janeiro, dependendo da minha situação - que certamente não será boa, aliás). Enfim...


TOTAL: 31 filmes + 1 curta

Wall-E
(Andrew Stanton, 2008) - * * * *
Um Beijo Roubado (My Blueberry Nights, 2007, Wong Kar-Wai) - * *1/2
Kung Fu Panda (2008, Mark Osborne e John Stevenson) - * * *
A Embriaguez do Sucesso (The Sweet Smell of Success, 1957, Alexander Mackendrick) - * * * *1/2
12 Homens e uma Sentença (12 Angry Men, 1957, Sidney Lumet) - * * *1/2
Hancock (2008, Peter Berg) - * * *
Diário de uma Babá (The Nanny Diaries, 2007, Shari Spring Berman and Robert Pulcini) - * * *
Faca na Água (Nóz w Wodzie, 1962, Roman Polanski) - * * *1/2
A Bela da Tarde (Belle de Jour, 1967, Luis Buñuel) - * * * *1/2
Noites de Lua Cheia (Les Nuits de la Pleine Lune, 1984, Eric Rohmer) - * * *1/2
O Escafandro e a Borboleta (Le Scaphandre et le Papillon, 2007, Julian Schnabel) – * * *
Sonata de Outono (Höstsonaten, 1978, Ingmar Bergman) - * *1/2
O Padre e a Moça (1965, Joaquim Pedro de Andrade) - * * * *
O Poeta do Castelo (1959, Joaquim Pedro de Andrade) – * * *1/2 [CURTA]
Ritual dos Sádicos/O Despertar da Besta (1970, José Mojica Marins) – * * * * *
Filme de Amor (2003, Julio Bressane) – * * *1/2
4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (4 Luni, 3 Saptamâni si 2 Zile, 2007, Cristian Mungiu) – * *1/2
Jogo de Cena (2007, Eduardo Coutinho) – * * * *
Amantes Constantes (Les Amants Réguliers, 2005, Philippe Garrel) – * * * * *
O Garoto Selvagem (L'Enfant Sauvage, 1970, François Truffaut) - * * *1/2
Batman: O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008, Christopher Nolan) – * * *
Juventude (Sommarlek, 1951, Ingmar Bergman) – * * *1/2
O Caçador de Pipas (The Kite Runner, 2007, Marc Forster) – *1/2
Maratona do Amor (Run Fatboy Run, 2007, David Schwimmer - a.k.a. Ross) – * *
/Batman Begins/ (2005, Christopher Nolan) - * *1/2
/Miami Vice/ (2006, Michael Mann) - * * * *1/2
Em Paris (Dans Paris, 2006, Christopher Honoré) – * * *1/2
Dragão Vermelho (Manhunter, 1986, Michael Mann) – * * * *
Gêmeos (Dead Ringers, 1988, David Cronenberg) – * * * *1/2
A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen, 2006, Florian henckel von Donnersmarck) - * *
Brazil (1985, Terry Gilliam) – * * * *
O Castelo Animado (Hauru no Ugoku Shiro, 2004, Hayao Miyazaki) - * * *1/2

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Hancock

(2008, Peter Berg)



Peter Berg, taí um nome que merece atenção. Ano passado nos entregou O Reino, bom filme, muito subestimado, mesmo que imperfeito, mas que já possuía o grande mérito de saber se utilizar com sucesso da câmera na mão, algo muito raro de acontecer, ainda mais depois que o estilo virou moda. Muito provável que a influência venha de Michael Mann, seu amigo próximo e produtor de seus filmes (e em Hancock faz uma ponta, como um executivo), mas creio que Berg não é um mero aprendiz do cineasta da obra-prima Miami Vice, prova disso é a série criada por ele, Friday Night Lights, que, pelo pouco que já vi, parece sim ter bastante qualidade: uma narrativa que parece seguir os padrões clássicos norte-americano, com conflitos humanos apresentados de modo muito sólido e seguro, mas com uma estética moderna (de novo a câmera na mão). E Hancock talvez seja até agora seu projeto mais ambicioso e excessivo, e bastante irregular também (quando chegar a fazer um filme todo redondo, terá grandes chances de ser um filmaço).

De qualquer modo, apesar de seus defeitos, apenas sua proposta extremamente ousada já seria suficiente parece ganhar maior destaque em relação aos demais blockbusters: Hancock quebra toda aquela mitologia feita ao redor de super-heróis, entregando-nos um protagonista odiado por todos, bêbado e vagabundo. Também não é baseado em nenhuma HQ, o que o aproxima de Jumper, mas o lado politicamente incorreto torna Hancock infinitamente superior ao filme de Doug Liman (que, apesar de ser fraquinho, não é nem de longe a bomba anunciada por alguns). Se fosse todo feito nos moldes da exelente primeira parte, quando se comporta de um modo mais anárquico, sem se prender a uma premissa básica, fornecendo uma sucessão de piadas estridentes, cenas de ação exageradíssimas e efeitos especiais inflados (o que, aqui, não chega a ser irritante – pelo contrário, é justamente esse exagero que torna Hancock delicioso), seria algo genial, mas é após sua primeira metade que o filme perde o rumo.

O problema é que Hancock, depois de uma certa reviravolta, parece querer ser levado a sério, mas é raso demais para apresentar uma estrutura dramática mais sólida, profunda. O filme que até então renegava a filosofia dos quadrinhos, parace adota-la, construindo a previsível figura do herói “humano”, frágil, solitário. Até vilão aparece! E, pior, do modo mais forçado possível.

Pra quem já prestou atenção nas características do cinema de Berg (na verdade, especialmente na sua já citada série), talvez não vá se surpreender com esse rumo mais “sério” que o filme toma. Até aquelas seqüências musicadas sentimentalistas (e não digo isso no sentido pejorativo) presentes em Friday Nights (e em O Reino, até onde me lembro, mas em menor número) aparecem em Hancock, só que de um modo forçado. O que o filme talvez represente é um cineasta ainda em formação, experimentando novos caminhos narrativos, ainda sem total segurança. Promete. Ou será que eu sou o único no mundo a se interessar pela sua carreira?