quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira

(Blindness, 2008, Fernando Meirelles)

Julianne Moore in Miramax Films' Blindness

Tive o prazer de ler o livro nessas minhas últimas férias, e, assim como a maioria das pessoas, fiquei realmente fascinado. Saramago tem um estilo singular de contar uma estória, irrepreensível tecnicamente, com um humor que é ao mesmo tempo mordaz e sutil, especialmente no modo como ele decide encaixar toda a crítica social e política. É tão bom que eu cheguei a pensar que é um material infilmável, principalmente porque poucos cineastas teriam tanta precisão e segurança na hora de narrar uma trama tão densas e complexas como essa. Infelizmente, acho que ainda não era a hora do Fernando Meirelles.

Não me levem a mal: eu gosto dele. Só porque eu acho Cidade de Deus hiper-mega-super-estimado não significa que eu vá considerá-lo mal cineasta (e é bom ressaltar que lembro de ter gostado bastante do Jardineiro Fiel - apesar de tê-lo visto há muito tempo; uma revisão se faz necessária). Há, porém, o problema de que é muito difícil (ao menos para mim) tentar analisar um filme como esse sem estabelecer nenhuma comparação com a obra original. No geral, é uma adaptação correta (mas que também não se arrisca), fiel (pelo menos nos fatos), e talvez um tanto óbvia, especialmente em relação a sua estética (mas em pelo menos duas cenas aquele branco todo que invade a tela é muito bem utilizada, ambas protagonizadas pelo primeiro cego: o momento em que ele encontra sua esposa na quarentena e o momento em que volta a enxergar). O que me incomoda, na verdade, é que, se no livro do Saramago todos esses problemas do mundo moderno eram abordados com aquela sutileza e humor únicos já citados no início desse texto, no filme ganha um tom denunciativo que está presente em um, por exemplo, Babel, ou qualquer outro filme do gênero. As cenas de violência, no livro, chocam justamente pelo modo "indireto" com que Saramago as descreve, enquanto aqui Meirelles entra no caminho do choque fácil.

Mas o maior problema, no entanto, é outro: há muita simplificação. Pode ser impressão minha, mas as coisas aqui não acontecem um pouco rápido demais? Ensaio Sobre a Cegueira, o filme, passa muito longe de ser aquele estudo profundo e extremamente detalhado do ser humano que se faz presente na obra de Saramago, justamente devido a essa superficialidade. Prova disso é a pouca exploração de personagens interessantíssimos e muito importantes para a obra, como o velho da venda preta ou a mulher dos óculos escuros (além de que não se aprofunda na questão do governo ou do exército, tão bem retratada no livro - aqui só é observada de longe).

Eu não diria que foi uma decepção, já que minhas expectativas não eram lá tão altas, mas surpreende pelo fato de ser algo tão esquecível.

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